Diferentemente do que acontecera com a imprensa no Brasil, instituída somente em 1808 com a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, e mesmo assim sob censura, a fotografia, ou melhor, a daguerreotipia chegou ao País já em 1839, alguns meses depois de seu processo ter sido anunciado publicamente na França.
Apesar do reconhecimento do francês Hércules Florence como um precursor da fotografia, tendo desenvolvido um processo original de fixação da imagem em 1833 no Brasil, oficialmente as primeiras imagens consideradas fotográficas foram produzidas no País em janeiro de 1840, através do daguerreótipo trazido pelo padre francês Louis Compte. Nessa mesma década, chegaram os primeiros daguerreotipistas estrangeiros oferecendo ao público brasileiro seus serviços como retratistas.
A partir da segunda metade do século XIX, d. Pedro II, que desde muito jovem mostrara-se interessado pela fotografia, patrocinou a instalação de diversos fotógrafos estrangeiros no País, atribuindo o título de Photographo da Casa Imperial a 23 profissionais.
No final do século XIX, foram publicados dois livros com litografias produzidas a partir de fotografias: Brazil pittoresco, do francês Jean Victor Frond, foi publicado em Paris em 1861, e o alemão Revert Henrique Klumb imprimiu no Brasil, em 1872, Doze horas em diligência – Guia do viajante de Petrópolis a Juiz de Fora.
No início do século XX, com o desenvolvimento tecnológico e o surgimento de novos sistemas de impressão, além da capacitação da mão-de-obra, iniciouse no País a impressão de fotografias nas chamadas revistas ilustradas, como a Revista da Semana (1899), O Malho (1900), Kosmos (1904), A Vida Moderna (1905), Fon-Fon (1906), Careta (1907), Paratodos (1918). A Revista São Paulo (1935) foi um importante meio de divulgação da fotomontagem. Em 1928, foi criada a revista semanal O Cruzeiro, de circulação nacional, tendo um importante papel no desenvolvimento da fotografia brasileira, sobretudo a jornalística.
Durante o século XIX, o principal centro de produção e circulação da fotografia no País foi o Rio de Janeiro, então sede da Corte. Com a ascensão da economia no interior do Estado de São Paulo, já na primeira década do século XX, houve um deslocamento da concentração da atividade fotográfica para aquela região. Apesar de grande parte dos fotógrafos terem-se fixado nas capitais costeiras, outros (os ambulantes ou lambe-lambes) foram buscar seus clientes no interior, contribuindo assim para a penetração da fotografia nas distantes regiões do país.
Sobre a história da fotografia em Goiás há ainda poucos registros. O Museu da Imagem e do Som (MIS-GO) desenvolveu um projeto de divulgação das manifestações iniciais da fotografia em Goiânia, intitulado Pioneiros da Fotografia em Goiânia (2002), com ênfase no período correspondente ao da construção da cidade, de 1933 a 1950. Foram identificados doze fotógrafos, dos quais somente Hélio de Oliveira ainda está vivo (foto 1).
A construção de Goiânia constituiu-se em um foco de atração para grupos que procuravam trabalho. Vieram para a região, além da mão-de-obra especializada (para a arquitetura, serviço de encanamento para água e esgoto), um grande contingente de operários, oriundos de várias regiões do País. Integrando esse grupo de trabalhadores, chegaram também os primeiros fotógrafos, muitos deles estrangeiros, que inicialmente se fixaram em Campinas, hoje bairro de Goiânia. Um desses fotógrafos foi o italiano Sílvio Berto (1908-2002), que de 1936 a 1973 fotografou em seu estúdio várias personalidades ilustres da cidade de Goiânia (foto 2).
Assim como ocorreu em outros lugares, a produção de retratos também foi predominante em Goiânia nesse período. Além do trabalho em estúdios, que eram bastante modestos e possuíam laboratórios precários, os fotógrafos dedicaram-se a fotos externas, como de casamentos, formaturas, batizados, mortes, fazendo, às vezes, pequenas viagens para cidades vizinhas. Além do retrato, o retoque, a fotopintura e a fotomontagem estavam entre as técnicas dominantes. O cartão de boas-festas produzido pelo fotógrafo Eduardo Bilemjian (1907-1991) em 1939 é um exemplo do emprego da fotomontagem e do retoque (foto 3).
O tema principal desses fotógrafos era a construção da nova capital, com suas avenidas e edifícios e o surgimento da vida urbana no Cerrado goiano. Alois Feichtenberger (1908-1986), por exemplo, foi contratado pelo chefe do Departamento de Divulgação e Expansão Econômica para registrar as obras da cidade (foto 4).
Os estúdios eram geralmente improvisados em cômodos das residências dos próprios fotógrafos. Os produtos químicos para laboratório e materiais sensíveis para negativos e cópias eram de difícil obtenção, caros, e os pedidos demoravam para ser atendidos, o que levou muitos fotógrafos a agenciarem sua venda.
Uma fotógrafa pioneira
Ele me ensinou a abrir o tripé, a armar; depois passou a mão por cima, porque ele não enxergava, para ver se estava nivelado ou se estava solto (...) Usava luz vermelha ou luz verde para revelar. Eu usei uma chapa com luz vermelha. Aí coloquei no banho e ele ficou perguntando: “tá aparecendo?” Eu falei “tá, tá assim, assim”. Quando chegou num ponto, ele disse: “tá bom! Tira, passa n’água e põe o fixador”. (Priscila Barbosa Silva 2 )
Embora já existam registros da participação da mulher desde a pré-história da fotografia, elas raramente são mencionadas em livros de história da fotografia. No Brasil, em anúncios de classificados das listas telefônicas entre as décadas de 1930 e 1940 já se encontravam referências ao trabalho de mulheres fotógrafas. No entanto, essas profissionais não foram as primeiras mulheres a atuar na fotografia brasileira. Gioconda Rizzo, morta em 2004, aos 107 anos, já fotografava em São Paulo desde 1910. Além disso, desde o início do século XX, esposas e filhas de fotógrafos já realizavam serviços de laboratório, acabamento e fotopintura. Gioconda foi, no entanto, a primeira mulher a ter a autoria de seus trabalhos reconhecida.
Gioconda começou a trabalhar aos 14 anos, ajudando o pai, o fotógrafo italiano Michelle Rizzo, em seu estúdio em São Paulo. Aos 17, instalou-se em estúdio próprio, o Photo Femina, onde só retratava mulheres e crianças, pois seu pai não permitia que ficasse sozinha com homens. A família Rizzo foi pioneira no uso do flash no Brasil, causando grande repercussão na época. Depois de casada, Gioconda passou a imprimir fotos em pingentes e porta-jóias de porcelana.
A inferioridade da mulher casada em relação ao marido estava presente no Código Civil Brasileiro de 1916, vigente naquele período 3. A mulher era vista como dependente e subordinada ao homem, sendo declarada relativamente inabilitada para o exercício de determinados atos civis. A manutenção da família era responsabilidade do casal, mas, em contrapartida, à mulher casada só seria concedido o direito ao trabalho mediante autorização do marido ou, em certos casos, arbítrio do juiz.
Na década de 1920, no Rio de Janeiro, outra mulher destacava-se junto ao Photo Club Brasileiro. D. Hermínia de Mello Nogueira Borges (1894-1989), como ficou conhecida, teve uma formação artística tradicional, estudando desenho, pintura e música. Adepta da fotografia pictorialista, desenvolveu sua carreira como fotógrafa após o casamento, e foi seu marido, Nogueira Borges (advogado e fotógrafo amador), quem a estimulou a fotografar4.
Após três anos morando em Anápolis, em 1937 mudaram-se para Goiânia, com Jaulino já completamente cego. O casal e as duas filhas residiam em Campinas, na época uma cidade independente de Goiânia. Nesse período, Priscila instalou em sua casa um laboratório para revelação e ampliação de fotos. Na entrada, havia uma placa indicando o nome de seu estabelecimento: “Fotografia Ideal” ou “Foto Ideal”, como algumas de suas fotos estão identificadas. Havia ainda uma vitrine com alguns retratos expostos para atrair os clientes. Posteriormente, ela montou um estúdio na casa em frente à que morava.
Priscila fotografava tanto em estúdio como ao ar livre, e em ambos os casos ela utilizava uma cortina, um fundo pintado, que mandava vir de São Paulo, cujas paisagens seguiam as especificações de Priscila (fotos 6 e 7). Para a iluminação, ela utilizava três refletores, e trabalhava com duas máquinas de grande formato e uma Zeiss alemã, mais usada para fotos externas, pois esta dispensava o uso de tripé. De todos os seus equipamentos, o único do qual não se desfez foi um termômetro usado para medir a temperatura dos químicos. O restante ela vendeu, inclusive as revistas de fotografia da Kodak.
Priscila realizou muitos retratos, fotos de festas de casamentos, batizados, fotos de arquitetura e de eventos públicos, como a chegada de um avião ao primeiro aeroporto de Goiânia (foto 8). Entre seus clientes, além de pessoas do bairro e do centro da cidade, havia também os donos de fazendas. Ela trabalhou para Íris Rezende, na época candidato ao cargo de prefeito, produzindo fotos no formato 3x4 cm para documentos de seus eleitores, como título de eleitor, carteira de trabalho.
Com o marido, Priscila também aprendeu a fazer o que era conhecido como vinheta, bordas em formato de coração, ovais, simulando uma espécie de renda (fotos 9 e 10). Experimentou a fotomontagem, como na foto 11: fotografou uma flor, recortou seu miolo e em seu lugar colocou a sua foto com as filhas, fotografando a montagem em seguida.
O retoque e a fotopintura também foram técnicas utilizadas por Priscila. Com lápis próprios fazia correções nos próprios negativos e pintava algumas fotos. Ela se iniciou na fotopintura de forma autodidata. Comprou um estojo de aquarela, próprio para colorir fotos, e se arriscou a pintar. Sua atenção voltava-se para os detalhes das roupas, as flores, geralmente presentes nos cenários, a maquiagem (fotos 12 e 13).
Durante sua vida como fotógrafa, Priscila ficou conhecida como Priscila Marques, em referência direta ao sobrenome do marido, morto em 1960, embora ela não tenha alterado seu nome com o casamento. Parou de trabalhar em 1970, aos 61 anos, e morreu em 2006, aos 98 anos (foto 14). O pequeno acervo de fotografias de Priscila encontra-se atualmente no MIS-GO.
Referências
Lobo, S. C. Priscila Barbosa da Silva: uma trajetória em imagens. Trabalho de conclusão de curso (orientação: Profª Drª Rosana Horio Monteiro). Faculdade de Artes Visuais, Universidade Federal de Goiás, 2005.
Monteiro, R. H. Descobertas múltiplas. A fotografia no Brasil (1824- 1833). Campinas/São Paulo: Mercado de Letras, Fapesp, 2001.
Museu da Imagem e do Som. Pioneiros da fotografia em Goiânia. Goiânia, 2002