Cultura e educaÇÃo : um jogo a vÁrias vozes

Gisele Dionísio da Silva1

Livro: Formação cultural de professores ou a arte da fuga
Autora: Monique Andries Nogueira
Editora: Editora da UFG
Goiânia, 2008

Em 2007, a Editora UFG criou a coleção Critérios, destinada à publicação de obras com temas acadêmicos e não-acadêmicos ligados aos mais variados campos do saber. O projeto gráfico da coleção é precisamente delimitado no tocante ao formato, ao papel e à ilustração de capa, sendo esta composta por obras do acervo de artes plásticas da UFG. Os temas abordados nessa coleção constituem ricas e representativas reflexões, como atesta seu primeiro volume – Formação cultural de professores ou a arte da fuga, de Monique Andries Nogueira. A autora apresenta uma discussão pertinente sobre um tema de grande relevância para a área da educação, mas que não tem recebido a devida atenção por parte da academia e dos elaboradores de políticas educacionais: a importância da formação cultural do professor para uma atividade docente mais qualificada e atenta às peculiaridades do mundo atual. Seu estudo parte da hipótese inicial de que um educador com maior amplitude cultural possui uma ação docente mais eficaz e hábil na emancipação sócio-histórica e cultural dos alunos.

Com o intuito de tecer esta discussão, a autora lança mão de sua formação em música para elaborar a tese conforme uma fuga, composição contrapontística barroca celebrizada por Johann Sebastian Bach no século XVII. A lógica do raciocínio da autora, sua maneira de abordar o problema proposto e de desenvolvê- lo, segue confessamente uma lógica musical, bem ao estilo fugato; neste, o princípio norteador “é a imitação de uma voz por outra, de forma que a primeira parece ‘fugir’ da seguinte” (p. 17). O livro é acompanhado por um CD com oito fugas de Bach, interpretadas pelas professoras Consuelo Quireze e Maria Lúcia Roriz, da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG.

Portanto, em sintonia com as fugas de Bach, o livro de Nogueira é dividido em três partes: na exposição, o tema relativo ao conceito de formação cultural dialoga com o contratema simbolizado pela revisão da literatura sobre o assunto, em um jogo permeado por diversas vozes; no desenvolvimento (ou divertimento, segundo alguns autores), a autora-compositora apresenta sua observação e posterior análise das práticas culturais dos professores participantes da pesquisa e das implicações para a atividade docente; por fim, na reexposição, ou o retorno ao tema de modo diferente, a autora reafirma suas conclusões e reflete sobre os desdobramentos que uma formação integral do professor possa exercer sobre os alunos, a escola e a educação de modo geral.

No primeiro capítulo, Nogueira acertadamente explora o enorme alcance conceitual da palavra “cultura” desde sua acepção latina original como “cultivo”, para em seguida esboçar sua própria concepção de formação cultural: esta constitui um processo pelo qual o indivíduo “se conecta ao mundo da cultura, mundo esse entendido como um espaço de diferentes leituras e interpretações do real, concretizado nas artes (música, teatro, dança, cinema, artes visuais) e literatura” (p. 32). Após a interessante apresentação de conceitos adornianos como Bildung, “semicultura” e “indústria cultural”, úteis para o entendimento da análise e da reflexão proposta no último capítulo, Nogueira declara sua crença geral na necessidade de se ampliarem os referenciais culturais de todo indivíduo, sem com isso desvalorizar ou anular seus próprios valores e tradições. No caso específico da formação de professores, a autora insiste que as universidades como instituições formadoras devem buscar incentivar seus alunos, futuros professores, a adquirirem experiências culturais e a fazerem da fruição estética (profícua expressão reiterada pela autora) um hábito. Uma vez conscientes da fundamental importância de construir uma formação cultural sólida, ativa e constantemente renovada, os educadores enxergarão sua tarefa de promover o enriquecimento da formação cultural de seus alunos.

No segundo capítulo, Nogueira apresenta sua pesquisa, realizada com professores da rede pública municipal de Goiânia durante o ano de 2000. Uma metodologia de pesquisa de campo composta por questionários e entrevistas permitiu à autora a triste constatação de que, para a grande maioria dos profissionais pesquisados, arte e cultura são artigos supérfluos para a educação. Essa atitude é vista pela pesquisadora como uma conseqüência da histórica hierarquização entre as disciplinas que ainda vigora na estrutura escolar brasileira. Nesse sistema, é atribuída à disciplina de Artes uma carga horária mínima e um status inferiorizado e dispensável. Nogueira acrescenta que a incipiente atenção à formação cultural do professor ocorre tanto dentro quanto fora da sala de aula, em virtude da falta de hábito deste no tocante à apreciação das experiências estéticas da vida cotidiana.

No terceiro e último capítulo, a autora expõe seu relato de duas experiências didáticas distintas, concernentes à formação cultural. A primeira decorre de sua experiência pessoal como professora da disciplina Artes e Recreação da Faculdade de Educação da UFG. A autora traça um panorama sobre sua iniciativa individual de promover a formação cultural de seus alunos por meio de várias medidas estimuladoras, como a inclusão da teoria relativa à Arte-Educação nas aulas (teoria até então negligenciada por professores anteriores, o que aderia à disciplina um caráter vago e caótico) e, primordialmente, o incentivo a uma maior freqüência a eventos culturais por parte dos alunos, uma medida avaliativa que requeria a produção de constantes relatórios. A autora relata suas inseguranças e as dificuldades com as quais se deparou em sua prática docente, tais como a resistência de outros professores em relação à liberação de alunos para manifestações culturais, a prática do “aulismo” e o binarismo “falta de tempo/falta de dinheiro”, declarado pelos alunos como principal entrave à sua freqüência a eventos culturais.

A segunda experiência consiste na análise do currículo do curso de Pedagogia de Angra dos Reis da Universidade Federal Fluminense, o qual prevê o projeto de Atividades Culturais em toda a extensão da grade curricular. Nogueira contrasta essa iniciativa com a da UFG, por se tratar de um empreendimento coletivo e, portanto, passível de continuidade e aprimoramento. Além disso, a pesquisadora a considera uma iniciativa altamente significativa por viabilizar a formação cultural dos alunos através do acesso a experiências estéticas renovadoras e, de modo imprescindível, por acenar para um processo de democratização da cultura tão necessário à superação das desigualdades marcantes da sociedade brasileira.

Em suma, a fuga orquestrada por Monique Andries Nogueira constitui leitura importante para educadores, pesquisadores e curriculistas envolvidos com a elaboração de políticas públicas educacionais no Brasil. A autora revela seu desejo de que “a formação cultural seja encarada como conhecimento, como área de saber” (p. 135) e que, assim, os cursos de formação de professores promovam iniciativas que os estimulem a ampliarem seus horizontes e visões de mundo. É a partir dessa ampliação que os futuros educadores estarão aptos a lidar verdadeiramente com as experiências e os anseios de seus alunos, em meio a um mundo de informação veloz e implacável. Nas notas finais de sua composição, Nogueira declara seu sonho de uma escola como palco de igualdades – de oportunidades e de estímulos –, que priorize a formação integral de alunos e professores e que, na louvável concepção de Edgar Morin, conduza a um maior entendimento da condição humana.

baixar texto