Baixar texto em PDF

SaÚde Suplementar – Impactos e Desafios da RegulaÇÃo
Fausto Pereira dos Santos ¹


O início das atividades de saúde suplementar no Brasil inscreve-se na década de 1960 quando algumas empresas dos setores industrial e de serviços começaram a oferecer assistência à saúde aos seus funcionários, sem nenhum tipo de regulação pública. E quais foram os determinantes para que fosse formatado esse modelo de ação reguladora do Estado? O redesenho das funções do Estado, agenda política da década de 1990, criou um ambiente favorável no País para a regulação das relações do governo com os agentes do mercado.
Um movimento institucional importante, foi a elaboração do Código de Defesa do Consumidor em 1990, que deu origem ao Programa Estadual de Defesa do Consumidor (Procon), entidades que passaram a receber um volume relevante de queixas de consumidores em relação aos planos de saúde, dando início a crescentes conflitos entre a sociedade e as empresas de saúde privada. As principais reclamações referiam-se aos reajustes das mensalidades, às restrições da assistência que excluíam doenças e procedimentos e às cláusulas abusivas dos contratos. Dessa forma, a proposta de regulamentação da saúde suplementar veio sendo pautada, desde o início da década de 1990, por instâncias governamentais, por entidades de defesa do consumidor, por entidades médicas, e pelos próprios usuários dos planos de saúde.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar foi criada pela Lei 9.961/2000 para regular uma atividade privada complexa, inserida num setor essencial, que é a saúde., trazendo uma nova dinâmica para esse segmento, contando com uma poderosa ferramenta de ação – a regulação através de seu marco regulatório, a Lei 9.656/1998 dos planos privados de assistência à saúde, sancionada após alguns anos de discussão no Congresso. A Constituição Federal garantiu o direito do exercício privado da prestação de serviços na área da saúde, e também definiu a saúde como um bem público, afirmando que o Estado tem um papel importante em estabelecer regras e em regular o setor. A legislação que se seguiu ao processo constituinte recolocou os temas do controle, avaliação, auditoria e regulação, que aparecem como constitutivos no processo de definição do arcabouço legal da saúde.
A implementação da ANS veio acompanhada de um conjunto de políticas formuladas estrategicamente para corrigir as chamadas imperfeições do mercado, decorrentes do laissez-faire, intervindo normativamente na cultura empresarial do setor, especialmente quanto ao acesso, às garantias assistenciais e financeiras. Dentro desse enfoque, as relações entre Estado e mercado foram submetidas a uma política específica, com funções regulatórias das condutas, as quais vêm buscando uma maior convergência entre os diversos interesses envolvidos e a regulação das relações entre os diversos atores do mercado: consumidores, prestadores e empresas.
Tanto o papel da ANS quanto propriamente o processo de regulação, dentro desse contexto histórico, se fortaleceram a partir do enfrentamento das distorções herdadas desse passado anterior às normas regulatórias. Eram comuns as práticas de negativa de atendimento, exclusão de doenças, seleção de clientela, rescisão unilateral de contratos, restrições de coberturas, reajustes sem controle. A experiência regulatória tem mostrado que as operadoras estão buscando gestão mais profissional, assim como a ANS tem estabelecido regras claras para a autorização de funcionamento, incentivando um modelo de atenção à saúde mais qualificado.
Importante destacar que, quando falamos de saúde suplementar, estamos falando de cerca de 43 milhões de vínculos a planos de saúde, distribuídos entre 2.095 operadoras em atividade. É de fundamental importância estabelecer a inter-relação entre o modelo de atenção necessário e a regulação implantada. A regulação, anteriormente, por trabalhar com uma lógica muito voltada para o controle da dimensão econômico-financeira, tendia a minimizar o controle das ações assistenciais. Esta dicotomia precisou ser superada, integrando no cotidiano as duas abordagens, suas necessidades, demandas, fluxos, tendo o beneficiário como a referência de organização dos serviços. Não descartamos o fato de tratar-se, também, de uma relevante atividade econômica, e entendemos ser extremamente importante a implantação de mecanismos de controle e monitoramento da saúde financeira das operadoras, da viabilidade econômica dos produtos comercializados, da comprovação de solvência e das reservas técnicas, pois estes aspectos garantem segurança para os beneficiários.
Atualmente, o setor de saúde suplementar já está colhendo alguns resultados:

  • Programa de Qualificação: instrumento de avaliação de indicadores distribuídos em quatro dimensões - atenção à saúde, econômico-financeira, estrutura e operação, e satisfação dos beneficiários;
  • Aperfeiçoamento da regulação indutora e normativa da ANS;
  • Indicação da importância do Sistema de Informação como insumo estratégico de análise e tomada de decisão, tornando o setor mais transparente;
  • Ações efetivas das operadoras na melhoria da qualidade dos dados informados;
  • Ampliação do debate sobre modelo de atenção à saúde;
  • Adoção de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças;
  • Ampliação da agenda para incorporação e avaliação das tecnologias em saúde.
  • Aproximação com os órgãos de Defesa do Consumidor, através da realização de fóruns para melhor conhecimento da estrutura e funções da ANS e dos aspectos da legislação do setor.
  • Agenda da saúde suplementar pautada nas ações e avanços do Sistema Único de Saúde, colocando a saúde de toda população brasileira em uma única política.
  • O balanço das atividades realizadas até hoje, a despeito da sucessão de polêmicas advindas da missão institucional, mostra a construção de um ambiente cada vez mais responsável, atraindo novos atores para as discussões e ampliando o alcance social da regulação.

Reconhecemos como metas ainda a alcançar: melhorar a efetividade do ressarcimento ao SUS e da organização das redes assistenciais, avançar nos aspectos concorrenciais, e fortalecer o modelo da integralidade da atenção.
A regulação pública do setor de saúde suplementar, componente do Sistema Nacional de Saúde, precisa continuar a ter como objetivo alcançar, cada vez mais, a auto-suficiência do setor e conseguir que ele responda à perspectiva de dar uma atenção à saúde integral aos seus beneficiários, com operadoras sólidas, e que permita aos gestores da saúde no Brasil incorporá-lo no seu processo de planejamento.

¹ Diretor-Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Ir ao topo