O sertÃo em toda parte

Certa vez em Piracicaba, no interior de São Paulo, ouvi interessado um orador que, ao falar sobre a cidade, a situava “em pleno sertão”. Alguns anos mais tarde, mais a oeste mas ainda em São Paulo, desta feita em São José do Rio Preto, ouvi atônito outro orador que dizia estarmos na “boca do sertão”. Ainda em outra ocasião e ainda para mais além do litoral, pude ouvir a insistente referência ao chamado Sertão da Farinha Podre em Uberaba. E mudando totalmente a região, convém lembrar o uso que nordestinos dão ao adjetivo sertanejo, para qualificar tudo o que vem de cidades como Campina Grande, Quixadá ou Correntina. Misterioso sertão, que parece estar em toda parte e sempre fugindo.

Este número da Revista UFG aproveita a efeméride do cinqüentenário do romance de Guimarães Rosa como oportunidade para refletir sobre o espaço geográfico, cultural e estético que se convencionou designar sertão. Assim como naquelas diferentes cidades que pleiteiam todas o privilégio de ser e estar no sertão, como se vê nos oito ensaios especialmente dedicados ao assunto, trata-se de um termo cujo significado, longe de ser homogêneo, suscita as mais diferentes abordagens.

Os ensaios do dossiê enfocam o assunto sob o viés da antropologia, da música, da literatura – tanto sob o ponto de vista da análise específica da obra de Guimarães Rosa, como traçando de modo genérico uma pequena história do imaginário do conceito na ficção brasileira. Pelo menos um ensaio é dedicado a uma região específica do vasto sertão central brasileiro e uma novidade é a inclusão de um ensaio puramente estético-fotográfico. Nunca é demais repetir que sons e imagens em alguns casos podem ser mais altissonantes que muitas palavras.

Na seção de artigos, novamente intentou-se oferecer ao leitor da Revista UFG uma pluralidade de temas que reflita a universidade acadêmica. Os seis artigos desta seção variam entre temas como saúde pública, educação artística e indígena, além de uma lembrança acerca de um assunto hoje quase esquecido: a união da bacia de dois grandes rios brasileiros na década de 1960, com suas conseqüências. Trazer à baila este caso é quase obrigatório nesses tempos de discussão acerca da oportunidade da transposição das águas do São Francisco no Nordeste.

E lembrança é ainda o moto de dois outros artigos. O primeiro deles elucida os acontecimentos políticos que levaram ao mito do sonho que Dom Bosco teria tido sobre o sítio onde edificar Brasília. O outro é uma homenagem – ainda que póstuma – ao jornalista José Asmar, que faleceu no ano passado sem publicar os resultados de sua interessante pesquisa histórica sobre a luta pela criação dos primeiros cursos jurídicos em Goiás. Esses dois artigos ecoam ainda a temática sobre o sertão, que não se esgota no dossiê, mas volta recorrente nas outras seções, permeando todo este número da Revista UFG.

A seguir, apresentam-se excertos de uma entrevista televisiva com o presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Turismo do Brasil. Aqui – novamente ecoando nosso tema central – discute-se, entre outros assuntos, a interiorização e a profissionalização do turismo no Brasil. Aborda-se ainda oportunamente a situação e o futuro dos cursos de Turismo no País, que sofreram uma proliferação desenfreada nos últimos anos.

Segue-se a seção de resenhas, que traz neste volume quatro textos críticos sobre recentes publicações. Uma vez mais buscou-se a variedade de temas, incluindo ainda um texto crítico sobre um CD com gravações inéditas de músicas do século XIX do sertão de Goiás. Os outros textos dedicam-se a uma obra de ficção, ao relançamento de um importante texto técnico sobre tecnologia da carne e a uma nova tradução de um clássico de Aristóteles.

Completam este volume uma tradução de um texto de Baudelaire e um relato sobre interessante evento ocorrido no interior de Goiás (novamente o sertão!) na época da Inquisição. Os autos do processo aqui apresentados mostram um pouco da vida na região e deixam evidentes os longos braços da Inquisição, que veio até os confins do Brasil buscar o infiel.

Com este novo número, consolida-se o formato iniciado em 2006. Outra novidade é a ampliação da distribuição. E finalmente, com este novo volume temático, a UFG vem lançar-se ao debate do assunto, que não se esgota no romance de Guimarães Rosa, mas merece ainda uma ampla reflexão ainda por muito tempo. Nada mais natural que a Universidade Federal de Goiás busque ampliar essa reflexão. Afinal, geograficamente estamos situados em meio ao espaço do sertão. Seja lá onde quer que ele se situe.
O editor

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