A Teoria freudiana e o modelo fascista de propaganda [1951]*
Theodor W Adorno
[* Publicado
originalmente em Psychoanalysis and the Social Sciences 3
(408-433) 1951. Reproduzido
Durante a década passada, a natureza e
conteúdo das falas e panfletos dos agitadores fascistas
norte-americanos foi submetida a intensa pesquisa por parte dos
cientistas sociais. Alguns desses estudos, feitos na linha das
análises de conteúdo, acabaram permitindo a feitura de uma
apresentação abrangente da matéria no livro Prophets of
Deceit, de Leo Lowenthal e Norbert Guterman (1). A
representação bastante ampla do fenômeno obtida assim se
caracteriza em dois aspectos principais. Primeiro: excetuando
algumas recomendações completamente negativas e bizarras, como
a de pôr os estrangeiros em campos de concentração ou
expatriar os sionistas, o material de propaganda fascista deste
país pouco se preocupa com tópicos políticos concretos e
tangíveis. A esmagadora maioria dos procedimentos do conjunto
dos agitadores é feita ad hominem. Baseiam-se claramente
em especulações psicológicas, mais do que na intenção de
ganhar seguidores através do procedimento racional de objetivos
racionais. O termo "rabble-rouser" [sublevador
da ralé], embora objetável, por causa de seu menosprezo pelas
massas como tais, parece ser adequado, na medida em que consegue
expressar a atmosfera de agressividade irracional e emotiva
propositadamente promovida pelos nossos candidatos a Hitler.
Embora seja impudico chamar o povo de ralé, a verdade é que o
objetivo do agitador é nisso transformá-lo; isto é, multidões
dispostas a agir de modo violento e sem qualquer objetivo
político, para não falar na criação de uma atmosfera
favorável ao pogrom. O propósito universal desses
agitadores é instigar metodicamente o que, desde o famoso livro
de Gustave Le Bon, Psychologie des Foules (1895), é
geralmente conhecido como "psicologia de massas".
Em segundo lugar, o enfoque dos agitadores é
verdadeiramente sistemático e se baseia em um conjunto-padrão,
rigidamente delimitado, de "expedientes". Tal conjunto
não pertence apenas à unidade última de seu propósito
político: a abolição da democracia, através da mobilização
de apoio popular contra seu princípio de existência. Pertence
ainda mais à natureza intrínseca do conteúdo e forma de sua
propaganda. A similaridade dos proferimentos dos vários
agitadores é tão grande que, em princípio, basta analisar as
afirmações de um para conhecer a de todos os demais (2); isso
é algo vale para os pequenos e insignificantes mercadores de
ódio provincianos, tanto quanto para as figura de maior
publicidade, como Coughlin e Gerald Smith. Além disso as
próprias falas são tão monótonas que a sua repetição sem
fim é facilmente constatável, tão logo passamos a nos
familiarizar com seu pequeno repertório de expedientes.
Realmente, a reiteração constante e a escassez de idéias
são os ingredientes indispensáveis de toda a técnica.
Embora a rigidez mecânica do modelo seja
óbvia e, como tal, expressão de certos aspectos psicológicos
da mentalidade fascista, pode ser de valia o sentimento de que o
material de propaganda fascista forma uma unidade estrutural e,
assim, possui uma concepção total e comum, consciente ou
inconsciente, que se revela capaz de determinar cada palavra por
ela dita. Essa unidade estrutural parece se referir tanto à
concepção política implícita quanto à essência
psicológica dessa propaganda. Até agora, apenas a natureza de
certo modo isolada e separada de cada um de seus expedientes
mereceu atenção científica. Também se sublinhou e elaborou as
suas conotações psicanalíticas. Agora que os elementos
individuais foram suficientemente aclarados, chegou a hora de
focar nossa atenção no sistema psicológico que abrange e gera
esses elementos, notando-se que o termo sistema se associa ao de
paranóia de um modo que talvez não seja de todo acidental.
O procedimento parece ser o mais apropriado
porque de outro modo a interpretação psicanalítica desses
expedientes individuais continuaria de algum modo sujeita ao
acaso ou à arbitrariedade. Agora é preciso pois recorrer a
algum tipo de quadro teórico de referência. Levando em conta
que os referidos expedientes praticamente exigem uma
interpretação psicanalítica, é totalmente lógico postular
que esse quadro deverá resultar da aplicação mais abrangente
de algumas idéias básicas da teoria psicanalítica ao conjunto
da maneira de agir desses agitadores.
Cremos que esse quadro de referencia foi
fornecido por Freud em seu livro Psicologia de massa e análise
do ego, publicado em inglês ainda em 1922. Ou seja, bem antes de
o perigo do fascismo alemão ter se mostrado tão agudo (3).
Embora estivesse muito pouco interessado no aspecto político do
problema, acreditamos que não é exagero afirmar que Freud
vislumbrou claramente a ascensão e a natureza dos movimentos de
massas fascistas com suas categorias puramente psicológicas. Se
é verdade que o inconsciente do analista percebe o inconsciente
do paciente, pode-se presumir também que suas intuições
teóricas são capazes de antecipar tendências que, embora
ainda estejam latentes no plano racional, já se manifestam
noutros mais profundos. Pode não ter sido acaso que, finda a I
Guerra, Freud tenha virado sua atenção para o narcisismo e os
problemas do ego de maneira mais específica. Os conflitos e
mecanismos instintivos envolvidos aí evidentemente desempenham
um crescente e importante papel na época atual. Segundo
testemunhos dos analistas, também é fato porém que as neuroses
"clássicas", como as conversões de histeria, que
serviam de modelo para o método, estão ocorrendo de maneira
menos freqüente do que no tempo do primeiro Freud, quando
Charcot lidou com a histeria clinicamente e Ibsen fez dela o
assunto de algumas de suas peças. De acordo com Freud, o
problema da psicologia de massa está intimamente relacionado com
um novo tipo de padecimento psicológico, característico de uma
era que, por motivos socio-econômicos, testemunha o declínio do
indivíduo e seu subseqüente enfraquecimento. Embora Freud não
tenha se preocupado com as mudanças sociais em curso, pode ser
dito que, mesmo se limitando aos confins monadológicos do
indivíduo, ele conseguiu elaborar os traços de sua crise
profunda e de sua vontade de inquestionavelmente se entregar as
agências coletivas e poderosas existentes no mundo exterior.
Apesar de nunca ter se devotado ao estudo dos
desenvolvimentos sociais contemporâneos, Freud registrou
tendências históricas ao desenvolver seu trabalho, escolher
seus objetos de estudo e modificar seu conceitos orientadores.
O método do livro consiste em uma
interpretação dinâmica das descrições lebonianas da
consciência de massa e em uma crítica a certos conceitos
dogmáticos - espécies de palavras mágicas - empregadas como se
fossem chaves de entendimento de certos fenômenos aterradores
por Le Bon e outros psicólogos pré-analíticos. O principal
entre eles é o conceito de sugestão que, casualmente, ainda
desempenha grande papel como tapa-buraco no pensamento popular,
sempre que esse se refere ao fascínio exercido sobre as massas
por Hitler e outros de seu tipo. Freud não questiona a
propriedade das bem conhecidas caracterizações das massas como
seres amplamente desindividualizados, irracionais, facilmente
influenciáveis, propensos a ação violenta e de natureza
regressiva em sua totalidade feitas por Le Bon. Distingue-o de Le
Bon, antes, a ausência do tradicional desdém pelas massas, que
é o thema probandum da maior parte dos psicólogos mais
antigos. Fugindo das descobertas descritivas costumeiras e
segundo as quais as massas não só são per se inferiores como
provavelmente vão continuar assim, ele pergunta no espírito do
verdadeiro Iluminismo: o que converte as massas em massas ?
Freud rejeita a hipótese fácil de que há um instinto social ou
de rebanho, porque, para ele, isso denota o problema e não a sua
solução. Em adição às razões puramente psicológicas que
ele dá a essa rejeição, poder-se-ia dizer que ele também
está a salvo do ponto de vista sociológico. A comparação
mecânica das modernas formações de massa com os fenômenos
biológicos raras vezes são válidas, porque os integrantes das
massas contemporâneas, ao menos prima facie, não somente
são indivíduos, os filhos da sociedade liberal, competitiva e
individualista, como são condicionados a se manter como unidades
independentes e auto-sustentadas: eles estão sempre sendo
aconselhados a ser rudes e alertados para não se entregarem.
Ainda que se assuma que os instintos arcaicos e pré-individuais
sobreviveram, não se poderia meramente apontar para essa
herança. É preciso explicar ainda por que o homem moderno
regride a padrões de conduta que contradizem de modo flagrante
seu nível racional e o presente estágio da civilização
tecnológica iluminista (enlightened). Precisamente isso é o que
Freud deseja fazer; ele tenta descobrir quais são as forças
psicológicas que resultam na transformação do indivíduo em
massa. "Se os indivíduos de um grupo combinam-se em uma
unidade, precisa haver algo que os una, e esse laço precisa ser
a coisa que caracteriza o grupo" (4) A pesquisa em foco
equivale pois a uma exposição do problema fundamental da
manipulação fascista. Afinal de contas, o demagogo fascista,
que conquista o apoio de milhões de pessoas para fins amplamente
incompatíveis com seus interesses racionais, só pode fazer isso
se, artificialmente, criar o vínculo procurado por Freud.
Se a abordagem dos demagogos é de todo realista, e isso seu
sucesso popular não deixa dúvida, então poderia ser
hipotetizado que o vínculo em questão é a própria coisa que o
demagogo procura produzir sinteticamente; efetivamente, é ela
princípio unificador por detrás de todos os seus vários
expedientes.
De acordo com a teoria psicanalítica, Freud
acredita que o vínculo que integra os indivíduos na massa é de
natureza libidinal. Casualmente os primeiros psicólogos
haviam apontado esse aspecto da psicologia de massa.
"Segundo McDougall, num grupo as emoções dos homens são
excitadas até um grau que elas raramente ou nunca atingem sob
outras condições, e constitui experiência agradável para os
interessados entregar-se tão irrestritamente ‘as suas
paixões, e assim fundirem-se no grupo e perderem o senso dos
limites de sua individualidade" (5) Freud vai além ao
explicar a coerência de conjunto das massas em termos de
princípio do prazer, isto é, das gratificações reais ou
vicárias que os indivíduos obtêm de sua rendição à massa.
Observe-se que Hitler mostrou possuir boa noção da fonte
libidinal desse processo de formação das massa, quando atribuiu
traços especificamente femininos e passivos aos participantes de
suas manifestações, indicando assim o papel do homossexualismo
inconsciente na psicologia de massa (6). A conseqüência mais
importante dessa introdução da libido na psicologia de grupo
feita por Freud é que os aspectos geralmente atribuídos às
massas perdem seu caráter enganosamente primitivo e
irredutível, refletido nos conceitos um tanto arbitrários de
instinto de massa ou rebanho. Os últimos são muito mais efeitos
do que causas. Segundo Freud o que é peculiar às massas
não é tanto uma nova qualidade quanto a manifestação aberta
das velhas. "Do nosso ponto de vista não é preciso
atribuir muita importância ao aparecimento de novas
características. Para nós bastaria dizer que, em meio a um
grupo, o indivíduo é submetido a condições que lhe permitem
desembaraçar das repressões impostas aos seus instintos
inconscientes" (7). O entendimento não somente dispensa
hipóteses auxiliares ad hoc como faz justiça ao simples
fato de que aqueles que se perdem nas massas não são homens
primitivos mas, antes, homens que demonstram atitudes primitivas,
opostas a seu comportamento racional normal. Entretanto as
descrições mais triviais não deixam dúvida sobre a afinidade
de certas peculiaridades das massas com os traços arcaicos.
Especialmente deveria ser feita aqui menção à sua
possibilidade de rapidamente converter a violência emocional em
ações violentas, sublinhada por todos os autores que escreveram
sobre psicologia de massa. Trata-se de um fenômeno que, segundo
os escritos freudianos sobre a cultura primitiva, permite fazer a
hipótese de que, nas hordas primitivas, o assassinato do pai
não é imaginário mas algo que corresponde à realidade
pré-histórica. Em termos de teoria dinâmica, o ressurgimento
desses traços deve ser entendido como resultado de um conflito:
esse conceito ajuda a explicar algumas manifestações da
mentalidade fascista que seria muito difícil de entender, sem a
postulação de um antagonismo entre as várias forças
psicológicas. Nesse sentido, deve-se pensar acima de tudo na
categoria psicológica da destrutividade, que Freud tratou
Levando em conta que o vínculo libidinal
entre os membros das massas evidentemente não é de natureza
sexual irrestrita, o problema que surge é saber como os
mecanismos psicológicos transformam a energia sexual primária
nos sentimentos que mantêm essas massas juntas. Freud lida com o
problema analisando os fenômenos cobertos pelo termo sugestão e
sugestionabilidade. Ele entende a sugestão como o
"abrigo" ou "véu" que esconde as
"relações amorosas", pois é essencial que a
"relação amorosa" que se esconde atrás da sugestão
permaneça inconsciente (8 p. bras. 84-85). Freud reitera o fato
de que em grupos organizados, como o exercito e as igrejas, ou
não se faz menção a qualquer tipo de amor entre os membros, ou
se a expressa de uma maneira indireta e sublimada, através da
mediação, por exemplo, de alguma imagem religiosa, por cujo
amor os membros do grupo se unem e de onde emana um amor
totalmente abrangente que deve servir de modelo às suas formas
de relacionamento. Parece significativo que na sociedade atual,
com suas massas fascistas integradas artificialmente, a
referência ao amor esteja quase totalmente excluída (9). Hitler
não quis fazer o papel tradicional de pai amoroso, substituindo-o
inteiramente pelo papel negativo de autoridade ameaçadora. O
conceito de amor, mencionado quase sempre como
"fanático", foi restringido à noção abstrata de
Alemanha. Dessa forma, porém, até o conceito de amor passou
a ter um tom de hostilidade e agressividade contra aqueles não
incluídos naquela noção. É um dos princípio básicos
da liderança fascista manter a energia libidinal em um nível
inconsciente, de modo que se possa desviar suas manifestações
para o caminho da consecução de objetivos políticos. Quanto
menos idéias objetivas, como a de salvação religiosa,
jogam um papel na formação das massas, e mais o único fim
presente se torna sua manipulação, mais inteiramente o amor
espontâneo tem de ser reprimido e convertido
O padrão libidinal do fascismo assim como
todas as técnicas usadas por seus demagogos são autoritárias:
aí as técnicas do demagogo e do hipnotizador coincidem com o
mecanismo psicológico pelo qual os indivíduos são levados a
regredir e, assim, a se reduzir a meros membros do grupo.
"Pelas medidas que toma, o hipnotizador desperta no sujeito uma parte de sua herança arcaica que também o tornara submisso aos genitores e experimentara uma reanimação individual em sua relação com o pai; o que é assim despertado é a idéia de uma personalidade predominante e perigosa, para com quem só é possível ter uma atitude passivo-masoquista, a quem se tem de entregar a própria vontade, ao passo que estar com ele, olhá-lo no rosto, parece ser um empreendimento arriscado. Só de uma outra maneira semelhante podemos representar a relação do membro individual da horda primeva com o pai primevo. .. As características misteriosas e coercitivas das formações grupais, presentes nos fenômenos de sugestão que as acompanham, podem assim, com justiça, ser remontadas ‘a sua origem na horda primeva. O líder do grupo ainda é o temido pai primevo; o grupo ainda deseja ser governado pela força irrestrita e possui uma paixão extrema pela autoridade; na expressão de Le Bom, tem sede de obediência. O pai primevo é o ideal do grupo, que dirige o ego no lugar do ideal do ego. A hipnose bem pode reivindicar sua descrição como um grupo de dois. Aqui fica como definição para a sugestão: uma convicção que não está baseada na percepção e no raciocínio, mas em um vínculo erótico" (10)
Realmente é isso pois que define a natureza e conteúdo da propaganda fascista. Ela é psicológica por causa dos objetivos autoritários irracionais, que não podem ser alcançados por meio de convicções racionais mas só através do habilidoso despertar de "uma parcela da herança arcaica do sujeito". A agitação fascista está centrada na idéia do líder, não importando se ele realmente lidera ou não passa do delegado de grupos de interesse, porque, psicologicamente, somente a imagem do líder está apta a reanimar a idéia de pai primitivo, ameaçador e todo-poderoso. É esta a raiz última do de outro modo enigmático personalismo da propaganda fascista, de seu incessante despejar de nomes e pretensos grandes homens, que ocupa o lugar da discussão das causas objetivas aqui envolvidas. A formação imaginária de uma figura paterna onipotente e violenta, altamente capaz de transcender o pai real e, com isso, crescer até se tornar um ego coletivo ("group ego") é a única maneira de promulgar "a atitude passivo-masoquista ... a que a vontade tem de se render", uma atitude exigida do seguidor do fascismo à medida em que seu comportamento político é inconciliável com seus próprios interesse racionais como pessoa privada tanto quanto do grupo ou classe a que ele de fato pertence (11). O redespertar da irracionalidade do seguidor é, portanto, totalmente racional, do ponto de vista da liderança: trata-se de algo que necessariamente tem de surgir como "uma convicção que não se baseia na percepção e raciocínio mas, antes, na vida erótica".
O mecanismo que transforma a libido em vínculo entre o líder e seus seguidores, e entre os seguidores eles mesmos, é o da identificação. Grande parte do livro de Freud se dedica à sua análise (12). É impossível discutir aqui a diferenciações teóricas muito sutis, particularmente a existente entre identificação e introjeção. Deveria ser notado , porém, que o finado Ernst Simmel, a quem devemos uma valiosa contribuição à psicologia do fascismo, desenvolveu a concepção freudiana relativa à natureza ambivalente da identificação como um derivativo da fase oral de organização da libido (13), expandindo-a até o ponto de integrá-la em uma teoria analítica do anti-semitismo.
Contentamo-nos com umas poucas observações
sobre a relevância da doutrina da identificação para o
entendimento da propaganda e a mentalidade fascistas. Tem sido
notado por vários autores e por Erik Erikson em particular que o
típico líder fascista não parece ser uma figura paternal, como
por exemplo o eram os reis em tempos passados. Porém é apenas
superficial a inconsistência dessa observação com a teoria
freudiana do líder como espécie de pai primitivo. A discussão
que nela se encontra sobre a identificação pode nos ajudar
muito a entender o que realmente se deve às condições
históricas objetivas [no fascismo]. Identificação é "a
mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa.
Ela desempenha um papel na história primitiva do complexo de
Édipo" (14). Bem pode ser que esse componente pré-edípico
da identificação ajude a produzir a separação da imagem do
líder como pai primitivo todo-poderosos da imagem do pai
realmente existente. Considerando que a resposta ao complexo de
Édipo através da identificação da criança com o pai é um
fenômeno secundário, pode ocorrer que a regressão infantil vá
bem mais além dessa imagem paterna e, através de um processo
"anaclítico" ("anaclitic"), chegue a
uma fase ainda mais arcaica. Além disso, o caráter
narcisista e primitivo da identificação existente no ato de
devorar, de fazer do objeto amado uma parte de si mesmo, pode nos
servir de indícío do fato de que, freqüentemente, a imagem do
líder moderno assume a aparência de uma ampliação da própria
personalidade do sujeito, assume a forma de uma projeção
coletiva de si mesmo, mais do que a imagem do pai. Talvez o papel
que essa última joga nas fases finais da infância tenha
declinado na sociedade contemporânea (15). [Seja como for] Todas
essas facetas pedem esclarecimentos adicionais.
O papel essencial do narcisismo em relação
às identificações que estão em jogo na formação dos grupos
fascistas é reconhecida na teoria freudiana da idealização.
"Vemos agora que o objeto está sendo tratado da mesma
maneira que nosso próprio ego, de modo que, quando estamos
amando, uma quantidade considerável de libido narcisista
transborda para o objeto. Em muitas formas de escolha
amorosa, é fato evidente que o objeto serve de sucedâneo para
algum ideal do ego inatingível de nós mesmos. Nós amamos por
causa da perfeição que nos esforçamos por conseguir para nosso
próprio ego e a que agora gostaríamos de adquirir, dessa
maneira indireta, a fim de satisfazer nosso narcisismo”
(16). É precisamente essa idealização de si mesmo que o
chefe fascista tenta promover em seus seguidores, no que é
ajudado pela ideologia do Füherer. As pessoas com que ele em
geral têm de lidar vivenciam um conflito moderno
característico; isto é, o conflito o ego, essa agência
de autopreservação fortemente desenvolvida em sentido racional
(17), e o constante fracasso em satisfazer suas demandas. O
resultado desse conflito é o fortalecimento dos impulsos
narcisistas, que só pode ser absorvido e satisfeito através
da transferência parcial da libido narcisística para o objeto,
ou seja, através da idealização. Observe-se que isso de resto
se ajusta à tendência da imagem do líder se parecer com a de
uma ampliação do sujeito: fazendo do líder seu ideal, é como
se ele amasse a si mesmo, mas livre das manchas da frustração
e de descontentamento que estragam o retrato de seu eu empírico.
Caricaturas da verdadeira solidariedade consciente, padrões de
identificação fundados na idealização, como o é este,
todavia são coletivos. Funcionam em um vasto número de pessoas,
na medida em que elas são portadoras das mesmas inclinações
libidinais e disposições caracteriológicas. A comunidade
popular fascista corresponde de fato exatamente àquela
definição freudiana do grupo como " um número de
indivíduos que substituíram um único e mesmo objeto pelo seu
ego ideal e por causa disso conseguiram identificar seu ego com o
de outros" (18). Por sua vez, é desse poderio coletivo que
a imagem do líder parece tomar emprestado sua onipotência,
muito semelhante a do pai primitivo.
A construção psicológica da imagem do líder feita pelo freudismo é corroborada ao percebermos sua surpreendente coincidência com o protótipo do líder fascista, ao menos até onde sua formatação pública está envolvida. Suas descrições comportam o retrato de Hitler não menos do que a das idealizações através das quais os demagogos americanos procuram estilizar a si mesmos. Visando a permitir a identificação narcisistica, o líder tem de parecer que é totalmente narcisista. Freud deriva deste discernimento o retrato do "pai primitivo da horda", que bem poderia ser o de Hitler.
“Ele, no próprio início da história da humanidade, era o super-homem (19) que Nietzsche somente esperava do futuro. Ainda hoje os membros de um grupo permanecem na necessidade da ilusão de serem igual e justamente amados por seu líder; ele próprio, porém, na necessita amar ninguém mais, por ser de uma natureza dominadora, absolutamente narcisista, autoconfiante e independente. Sabemos que o amor impõe um freio ao narcisismo, e seria possível demonstrar como, agindo dessa maneira, ele se tornou um fator de civilização.”(20)
Desse modo pode-se dar conta de um dos
aspectos mais conspícuos das falas do agitador, ou seja, a
ausência de um programa positivo e de qualquer coisa que ele
possam "dar" mas, também, da paradoxal prevalência da
negação e da ameaça que nele se encontra. O líder só pode
ser amado se ele mesmo não ama. Apesar disso Freud está atento
para um outro aspecto da imagem do líder, que, aparentemente,
contradiz dessa primeira. Embora apareça como um super-homem, o
líder também precisa fazer o milagre de parecer uma pessoa
comum, fazer como Hitler, que posava como um misto de barbeiro
suburbano e King Kong. Também isso Freud explica com sua teoria
do narcisismo. De acordo com ele:
“o indivíduo abandona seu ideal do ego e o substitui pelo ideal do ego, tal como é corporificado no líder. E temos de acrescentar, a título de correção, que o prodígio não é igualmente grande em todos os casos. [Todavia] em muitos indivíduos, a separação entre o ego e o ideal do ego não se acha muito avançada e os dois ainda coincidem facilmente; o ego amiúde preservou sua primitiva autoconsciência narcisista. A seleção do líder é muitíssimo facilitado por essa circunstância. Com freqüência precisa apenas possuir as qualidades típicas dos indivíduos interessados sob uma forma pura, clara e particularmente acentuada, necessitando somente fornecer uma impressão de maior força e de mais liberdade da libido. Nesse caso, a necessidade de um chefe forte freqüentemente o encontrará a meio caminho, e o investirá de uma predominância que de outro modo talvez não pudesse reivindicar. Os outros membros do grupo, cujo ideal do ego, salvo isso, não se haveria corporificado em sua pessoa sem alguma correção, são então arrastados com os demais por sugestão, isto é, por meio da identificação. (21)
Inclusive os assustadores sintomas de
inferioridade presentes nos líderes fascistas, sua semelhança
com os atores amadores e psicopatas sociais, é pois antecipada
na teoria de Freud. O super-homem precisa lembrar o seguidor e
aparecer como sua "ampliação", por causa daquelas
parcelas da libido narcisista do seguidor que, continuando
ligadas ao seu ego, não são projetadas na imagem do
líder. Em conformidade com isso, acontece que um dos expedientes
básicos da propaganda personalizada fascista é o conceito de
"pequeno grande homem", da pessoa que sugere ao mesmo
tempo onipotência e a idéia de que ele é apenas mais um na
multidão, um americano simples e de sangue vermelho,
imaculado pela riqueza material ou espiritual. Assim, porém, a
ambivalência psicológica ajuda a fazer o milagre social. A
imagem do líder gratifica o duplo desejo do seguidor em se
submeter à autoridade e ser ele mesmo essa autoridade. De resto
isso se encaixa bem em um mundo no qual ainda existe controle
irracional, apesar dele não ter mais convicção interior,
perdida graças ao esclarecimento universal. As pessoas que
obedecem aos ditadores sentem que eles são supérfluos,
resolvendo essa contradição assumindo que são elas mesmas os
cruéis opressores.
Todos os expedientes-padrão dos agitadores
fascistas são desenhados em sintonia com a exposição freudiana
do que mais tarde se tornou a estrutura básica de sua demagogia,
a técnica da personalização (22) e a idéia do pequeno grande
homem. Vamos nos limitar no que segue a uns poucos exemplos,
tomados ao acaso.
Freud nos dá um relato exaustivo do elemento
hierárquico envolvido nos grupos irracionais. "é óbvio
que um soldado toma o seu superior, que é, na realidade, o
líder do exército, como seu ideal, enquanto se identifica com
os seus iguais e deriva dessa comunidade de seus egos as
obrigações de prestar ajuda mútua e partilhar das pessoas que
o companheirismo implica. Mas, se tenta identificar-se com o
general, torna-se ridículo" (23) , isto é, de modo direto
e consciente. Os fascistas, sem exceção dos demagogos mais
insignificantes, estão sempre enfatizando as cerimônias rituais
e diferenciações hierárquicas. Quanto menos a hierarquia é
assegurada no cenário de uma sociedade altamente racionalizada e
quantificada, mais hierarquias artificiais desprovidas de uma
razão de ser objetiva são construídas e rigidamente impostas
pelos fascistas por razões puramente psicotécnicas. Devemos
acrescentar porém que essa não é a única fonte
libidinal presente. As estruturas hierárquicas estão em
sintonia com os desejos do caráter sado-masoquista. Verantwortung
nach oben,, Autorität nach unten (responsabilidade para com
que está em cima, autoridade para com o que está embaixo): essa
famosa fórmula hitleriana racionaliza muito bem essa
ambivalência de caráter (24)
A tendência a esmagar os que estão por
baixo, que tão desastrosamente se manifestou na perseguição
das minorias fracas e desassistidas, é tão franca como ódio
dirigido àqueles que estão de fora [da estrutura]. Na prática,
porém, o mais comum é ambas as tendências atuarem juntas. A
teoria freudiana lança luz sobre a distinção rígida e
profunda existente entre os que são amados dentro do grupo e os
que, por estarem fora, são rejeitados. Em nossa cultura, este
modo de pensar e se conduzir passou a ser visto como
evidente em tal grau que a questão de saber por que as pessoas
amam os que se lhes assemelham e odeiam o que é diferente
raramente é posta com seriedade. Aqui como em muitas outras
vezes, a produtividade do enfoque freudiano repousa em sua
capacidade de questionar o que é geralmente aceito. Le Bon havia
percebido que a multidão irracional "vai direto aos
extremos" (25). Freud expandiu essa observação,
assinalando que a dicotomia entre dentro e fora do grupo possui
uma natureza tão enraizada que afeta até mesmo os círculos
cujas "idéias" aparentemente excluem tais tipos de
reação. Em 1921, ele estava apto a se desvencilhar da ilusão
liberal de que o progresso da civilização automaticamente nos
traria um aumento da tolerância e um afrouxamento da violência
contra os círculos externos.
“Mesmo durante o reino de cristo, aqueles que não pertencem à comunidade de crentes, que não o amam e a quem ele não ama, permanecem fora de tal laço. Desse modo, uma religião, mas que se chame a si mesma de religião do amor, tem de ser dura e inclemente para com aqueles que a ela não pertencem. Fundamentalmente, na verdade, toda religião, é, dessa mesma maneira, uma religião do amor para todos aqueles a quem abrange, ao passo que a crueldade e a intolerância para com os que não lhes pertencem, são naturais a todas as religiões. Por mais difícil que possamos achá-lo pessoalmente, não devemos censurar os crentes severamente demais por causa disso; as pessoas que são descrentes ou indiferentes estão psicologicamente em situação muito melhor nessa questão [da crueldade e da intolerância]. Se hoje a intolerância não mais se apresenta tão violenta e cruel como em séculos anteriores, dificilmente podemos concluir que ocorreu uma suavização nos costumes humanos. A causa deve ser antes achada no inegável enfraquecimento dos sentimentos religiosos e dos laços libidinais que deles dependem. Se outro laço grupal tomar o lugar do religiosa - e o socialista perece estar obtendo sucesso em conseguir isso -, haverá então a mesma intolerância para com os profanos que ocorreu na época das Guerras de Religião”(26)
O equívoco do prognóstico político
freudiano, a culpa que pôs nos "socialistas" pelo que
em realidade seus arqui-inimigos alemães fizeram, é tão
surpreendente quanto sua profecia da destrutividade fascista,
do impulso para eliminar o grupo externo (27). Na realidade, a
neutralização da religião parece ter levado ao exato oposto do
que o iluminismo do pensador supunha: a divisão entre os crentes
e os não crentes foi mantida e reificada. A partilha se tornou
uma estrutura em si mesma, independente de qualquer conteúdo
ideacional e que, embora tenha perdido sua motivação interna,
é defendida ainda mais firmemente. Pior ainda, aconteceu ao
mesmo tempo que o impacto atenuante da doutrina religiosa do amor
desvaneceu. A essência do expediente "ovelha e cabra"
("sheep and goat") empregado por todos os
demagogos fascistas reside aí. Como eles não reconhecem
qualquer critério espiritual em relação ao que é escolhido e
ao que é rejeitado, o substituem por um critério
pseudo-natural, como o de raça (28), que, por parecer
inescapável, pode ser aplicado com uma piedade ainda menor do
que o foi conceito de heresia na Idade Média. Freud teve
êxito em identificar a função libidinal desse expediente,
notando que ele age como uma força integradora negativa.
Considerando que a libido positiva é totalmente investida na
figura do pai primitivo, o líder; e que são poucos os
conteúdos positivos disponíveis, é preciso descobrir uma
negativa. "O líder ou a idéia dominante poderiam também,
por assim dizer, ser negativos; o ódio contra uma determinada
pessoa ou instituição poderia funcionar exatamente da mesma
maneira unificadora e evocar o mesmo tipo de laços emocionais
que a ligação positiva" (29). Parece desnecessário dizer
que essa integração negativa se alimenta do instinto de
destrutividade, uma figura que o pensador não refere
explicitamente em Psicologia de massa, mas cujo papel decisivo
ele todavia reconheceu
"Nas antipatias e aversões indisfarçadas que as pessoas sentem por estranhos com quem têm de tratar, podemos identificar a expressão do amor a si mesmo, do narcisismo. Esse amor a si mesmo trabalha para a preservação do indivíduo e comporta-se como se a ocorrência de qualquer divergência de suas próprias linhas específicas de desenvolvimento envolvesse sua crítica e a exigência de sua alteração” (30)
A vantagem ou ganho narcísico fornecido pela propaganda fascista é óbvia, ao sugerir de maneira contínua e às vezes de modo tortuoso que, apenas por pertencer ao grupo, o seguidor é mais puro, melhor e superior do que aqueles que estão de fora. Além disso, acontece assim que qualquer espécie de crítica ou tomada de consciência acaba sendo sentida como uma perda e, como tal, algo que desperta raiva. A propósito, é isso que dá conta da violenta reação dos fascistas contra o que eles julgam zersetzend, aquilo que desmascara os valores que eles obstinadamente sustentam mas, também, da sua hostilidade, típica das pessoas preconceituosas, contra qualquer tipo de introspecção.
Concomitantemente, a concentração da
hostilidade sobre o círculo externo carrega consigo a
intolerância interna que poderia tornar altamente ambivalente os
relacionamentos dentro do próprio grupo.
"Mas, quando um grupo se forma, a totalidade dessa intolerância se desvanece, temporária ou permanentemente, dentro do grupo. Enquanto uma formação de grupo persiste ou até onde ela se estende, os indivíduos do grupo comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles. Uma tal limitação do narcisismo, de acordo com nossas conceituações teóricas, só pode ser produzida por um determinado fator, um laço libidinal com outras pessoas" (31)
Os agitadores seguem essa linha ao usar o conhecido "truque da unidade". Eles salientam suas diferenças em relação aos de fora e as minimizam dentro de seu próprio grupo, tendendo a nivelar suas qualidades distintivas, com a exceção daquelas hierárquicas. "Estamos todos no mesmo barco"; "ninguém deve ser melhor": o esnobe, o intelectual, o hedonista sempre são atacados. A corrente subterrânea do igualitarismo malévolo, da fraternidade do comprometidos com todo o tipo de humilhação, é um componente da propaganda fascista e do próprio fascismo. O Eintopfgericht, o famoso comando de Hiltler, é seu símbolo. Quanto menos os fascistas querem mudar a estrutura social que lhes é inerente, mais eles tagarelam sobre a justiça social, querendo dizer com isso que nenhum membro da "comunidade popular" deve se entregar aos prazeres individuais. Ao invés de, suprimindo a repressão, realizar a verdadeira igualdade, o igualitarismo repressivo faz parte da mentalidade fascista e, como tal, ele se reflete no expediente do "se vocês soubessem", que, sob forma vingativa, promete a revelação de todos os tipos de prazeres proibidos que os outros desfrutam. Freud interpreta psicologicamente esse fenômeno como caso de transformação dos indivíduos em membros de uma "horda fraternal", cuja coerência se encontra em sua condição de formação reativa à inveja primária de seus integrantes, desse modo posta a serviço da coerência do agrupamento.
“O que posteriormente apareceu na sociedade sob a forma de Gemeingeist, esprit de corps, ‘espírito de grupo’, etc. não desmente a sua derivação do que foi originalmente inveja. Ninguém deve querer salientar-se, todos devem ser o mesmo e Ter o mesmo. A justiça social significa que nos negamos muitas coisas a fim de que os outros tenham de passar sem elas, também, ou, o que dá no mesmo, não possam pedi-las.” (32)
Poderia ser acrescentado que, surpreendentemente, a ambivalência para com o irmão encontrou uma expressão permanente na técnica dos agitadores. Freud e Rank observaram que, nos contos de fada, os animais inferiores, formigas e abelhas, por exemplo, "seriam os irmãos da horda primeva, da mesma maneira que no simbolismo onírico animais nocivos significam irmãos e irmãs (considerados desprezivelmente como bebês" (33). Como os membros do círculo interno supostamente são bem sucedidos em se identificar uns com os outros por meio do amor a um mesmo objeto"(34), não se pode admitir que alguém seja desdenhado. O resultado é a expressão do menosprezo sob a forma da catexe totalmente negativa dos animais inferiores, sua fusão com o ódio e posterior projeção conjunta contra o grupo externo. Examinado com grande detalhe por Leo Lowehthal (35) esse ato de comparar os círculos externos, os estrangeiros e, particularmente, os refugiados e judeus com os vermes e animais inferiores é um dos expedientes favoritos dos agitadores fascistas.
Na hipótese de possuirmos os títulos para
assumir a existência de uma correspondência entre os estímulos
da propaganda fascista com os mecanismos elaborados pela
psicologia de massas de Freud, precisamos agora fazer nós mesmos
a pergunta quase inevitável sobre como os agitadores fascistas,
toscos e semi-educados como o são, obtêm conhecimento desses
mecanismos. Referências à influência exercida por Mein
Kampf sobre os demagogos americanos não levariam muito
longe, já que parece impossível que o conhecimento teórico da
psicologia de grupo hitlerista tenha ido além das observações
absolutamente triviais que se originaram de Le Bon. Também não
pode ser sustentado que Goebbels foi um gênio da propaganda e
tinha total noção das descobertas mais avançadas da moderna
psicologia profunda. O exame cuidadoso de suas falas e dos
extratos recém-publicados de seus diários dão a impressão de
que se trata de uma pessoa esperta o bastante para fazer o jogo
do poder político, mas totalmente ingênua e superficial com
relação às questões sociais e psicológicas subjacentes à
superfície de seus próprios lemas e editoriais jornalísticos.
A idéia de que Goebbels foi um intelectual "radical" e
sofisticado faz parte da lenda demoníaca que se associou a seu
nome e acabou alimentada pelo avidez jornalística. Noutra
ocasião seria o caso de explicar essa lenda psicanaliticamente.
Goebbels pensava através de estereótipos e vivia totalmente
ofuscado pelo feitiço da personalização. Destarte precisamos
buscar outras fontes que não as da erudição para entender o
propagandeado domínio das técnicas psicológicas de
manipulação de massa por parte do fascismo. A primeira e mais
importante fonte parece ser a já mencionada identidade básica
entre líder e seguidor, que circunscreve um dos
principais aspectos da identificação. O líder pode adivinhar
as necessidades e desejos psicológicos daqueles suscetíveis a
sua propaganda porque se assemelha a eles psicologicamente. A
distinção entre eles reside mais na capacidade de o primeiro
expressar sem inibições o que neles está latente do que em
algum tipo de superioridade intrínseca. Os chefes fascistas são
em geral tipos orais, com uma compulsão a falar sem parar e a
ludibriar os outros. O famoso fascínio que eles exercem sobre
seus seguidores depende em muito de sua oralidade. Destarte a
linguagem mesma, desprovida de seu significado racional, funciona
de uma maneira mágica, favorecendo as regressões arcaicas
que reduzem os indivíduos a membros da multidão. Como essa
desinibição oratória é sobretudo associativa, pressupõe um
relaxamento temporário dos controles do ego, o que pode indicar
mais fraqueza do que força. O elogio da força feito pelo
agitador fascista é muitas vezes acompanhado de sinais dessa
fraqueza, particularmente quando suplica por contribuições
financeiras, ainda que, como fraqueza, seja habilmente ligada a
idéia de força. Objetivando bem sintonizar com as
disposições inconscientes de sua audiência, o agitador por
assim dizer vira para fora seu inconsciente. A peculiar síndrome
de caráter existente nele torna isso perfeitamente possível, e
a experiência lhe ensinou a explorar essa faculdade de maneira
consciente. A experiência ensinou-lhe a fazer uso racional de
sua irracionalidade, de modo similar a dos atores ou de certos
tipos de jornalistas, que sabem como vender suas inervações e
sensibilidade. Embora sem saber ele, está apto a falar e agir de
acordo com a teoria psicológica, pela simples razão de que a
teoria psicológica é verdadeira. Tudo o que ele tem de fazer
para acionar a psicologia de sua audiência é explorar
astuciosamente a sua.
O ajustamento dos expedientes dos agitadores
ao fundamento psicológico de seus objetivos [políticos] é
reforçada ainda mais por um outro fator. Como se sabe, a
agitação fascista acabou se tornando quase uma
profissão, um meio de subsistência. Possui fartura de
tempo para testar a eficiência de seus vários apelos. Devido ao
que se pode chamar de seleção natural, somente os mais
atraentes têm sobrevivido, na medida em que sua eficiência é
em si mesma uma função da psicologia dos consumidores. Através
de um processo de "congelamento", que pode ser
observado em todas as técnicas empregadas pela cultura de massa
moderna, os apelos que sobrevivem à referida seleção são
padronizados, da mesma forma que os slogans publicitários que
provaram ser os mais valiosos o são na promoção dos negócios.
Trata-se de uma padronização que por sua vez se ajusta à
maneira de pensar estereotipada; isto é, com a
"estereopatia" daqueles que, marcados pelo desejo
infantil de repetição inalterada e sem fim, são suscetíveis a
essa propaganda. É difícil predizer se essa tendência
psicológica impedirá os expedientes padrão dos agitadores de
se tornaram ineficazes, devido ao excesso de aplicação. Na
Alemanha nazista, todo o mundo costumava fazer piada de certas
frases propagandisticas, como "sangue e solo" (Blut
und Boden), humoristicamente chamada de Blubo (o
conceito da raça nórdica do qual o verbo aufnorden
["nortear"] foi derivado). Apesar disso parece que esse
apelos não perderam seu atrativo. Ao contrário, sua
"falsidade" pode ter sido saboreada cínica e
sadicamente como um indicador do fato de que era apenas o poder,
desvencilhado de toda objetividade racional, que decidia os
destinos no Terceiro Reich.
Adicionalmente poder-se-ia perguntar: por que
a psicologia aplicada de grupo discutida aqui é mais peculiar ao
fascismo do que à maioria de outros movimentos que buscam apoios
de massa ? Qualquer comparação da propaganda fascista com
a dos partidos liberais e progressistas mostrará que é assim.
Porém nem Freud nem Le Bon se ocuparam com essa
distinção. Eles falaram das multidões como tais, de modo muito
semelhante à sociologia formal, sem diferenciar entre os
objetivos políticos dos grupos envolvidos. De fato, ambos
pensavam nos movimentos socialistas tradicionais, antes do que em
seu oposto, embora deva ser notado que o exército e a Igreja,
escolhidos por Freud para servir de exemplo de sua teoria, são
essencialmente conservadores e hierarquizados. Já Le Bon está
interessado principalmente nas multidões espontâneas, efêmeras
e não-organizadas. A pergunta levantada aqui só pode ser
respondida totalmente pois com uma teoria da sociedade.
Contentamo-nos em fazer umas poucas sugestões. Primeiro, as
metas objetivas do fascismo são amplamente irracionais, na
medida em que elas contradizem os interesses materiais de um
grande número das pessoas que tenta alistar, não obstante o
crescimento acelerado econômico pré-guerra ocorrido nos
primeiros anos do regimes hitlerista. A permanente ameaça de
guerra que representa o fascismo irradia uma destrutividade que
as massas, ao menos pré-conscientemente percebem. Por isso, o
fascismo não mente totalmente ao se referir a seus poderes
irracionais, por mais falsa que possa ser a mitologia com que
racionalize o irracional. Como não seria possível ao fascismo
conquistar as massas através de argumentos racionais, sua
propaganda tem de necessariamente se desviar do pensamento
discursivo: ela precisa ser orientada psicologicamente e
mobilizar os processos regressivos irracionais e inconscientes.
Tal tarefa é facilitada pelo quadro mental daqueles estratos da
população que sofrem com frustrações sem sentido e, por essa
via, terminam desenvolvendo uma mentalidade atrofiada e
irracional. Talvez o segredo da propaganda fascista seja
simplesmente que ela trata os homens pelo o que eles são:
verdadeiros filhos da cultura de massa padronizada, amplamente
privados de autonomia e espontaneidade, ao invés de propor metas
cuja realização poderia transcender o status quo psicológico
não menos do que o da sociedade. A propaganda só tem de
reproduzir a mentalidade existente para seus próprios
propósitos; não precisa induzir à mudança. A repetição
compulsiva que a caracteriza forma uma só coisa com a
necessidade fixa dessa reprodução. Ela repousa inteiramente na
estrutura de conjunto tanto quanto em cada traço particular do
caráter autoritário engendrado pela internalização dos
aspectos irracionais da sociedade moderna. Dentro das condições
dominantes, a irracionalidade da propaganda fascista possui um
sentido racional relativamente à economia instintiva. Tendo em
vista que o status quo é aceito como algo dado e petrificado, o
esforço para ver através dele é muito maior do que o
necessário para a ele se ajustar e, via identificação com o
existente, obter um mínimo de gratificação psicológica: é
esse o ponto focal da propaganda fascista. De resto isso
pode explicar porque os movimentos de massa ultra-reacionários
usam a "psicologia de massa" em muito maior extensão
do que os movimentos que mostram mais fé nas massas. Entretanto,
não resta dúvida de que mesmo os movimento políticos mais
progressistas podem cair ao nível da "psicologia das
multidões" e de sua manipulação, se, com sua eventual
conversão em poder cego, for frustado seu conteúdo racional.
A chamada psicologia do fascismo é em sua
maior parte produto de manipulação: o que é visto ingenuamente
como irracionalidade "natural" das massas é produzido
por técnicas calculadas racionalmente. Esse discernimento pode
nos ajudar a resolver o problema de saber se o fenômeno de massa
que é o fascismo pode ser totalmente explicado em bases
psicológicas. Embora seja certo que há uma
suscetibilidade potencial ao fascismo entre as massas, é
igualmente certo que a manipulação do inconsciente, a espécie
de sugestão explicada geneticamente por Freud, é indispensável
para a efetivação desse potencial. Justamente essa
manipulação corrobora a hipótese de que os fascismo como tal
não é um problema psicológico, e que qualquer tentativa de
entender suas raízes e seu papel histórico em termo
psicológicos não vai além daquelas ideologias a respeito das
"forças irracionais" que o próprio fascismo promove.
Embora o agitador fascista sem dúvida se aproprie de certas
tendências existentes dentro daqueles a quem ele se dirige,
fá-lo como delegado dos poderosos interesses políticos e
econômicos. As predisposições psicológicas não são a causa
real do fascismo; acontece antes de o fascismo definir uma área
psicológica que pode ser explorada com sucesso pelas forças que
o promovem por razões de interesse próprio totalmente
não-psicológicas. O que acontece quando as massas são
apanhadas pela propaganda fascista não é a expressão primária
dos instintos e necessidades espontâneas mas sim a
revitalização quase-científica de sua psicologia. O fundamento
é a regressão artificial descrita por Freud em sua discussão
dos grupos organizados. A psicologia de massas tem sido
apropriada por seus líderes e transformada em seus meios de
domínio. Os movimentos de massa não são sua expressão direta,
nem são um fenômeno inteiramente novo, pois é algo que se
encontra prenunciado em todos os movimentos
contra-revolucionários da história. Longe de ser a fonte do
fascismo, a psicologia acabou se tornando um entre outros
elementos de um sistema altamente impositivo, cuja totalidade se
faz necessária para fazer frente ao único potencial de
resistência das massas: a racionalidade. O conteúdo da teoria
freudiana, a substituição do narcisismo individual
“Como sabemos de outras reações, os indivíduos preservaram um grau variável de aptidão pessoal para reviver velhas situações desse tipo. Um certo conhecimento de que, apesar de tudo, a hipnose é apenas um jogo, uma renovação enganadora dessas antigas impressões, pode contudo remanescer e cuidar para que haja uma resistência contra quaisquer conseqüências demasiado sérias da suspensão da vontade na hipnose”(37)
Neste meio tempo, ocorreu porém que esse jogo
foi socializado, e as conseqüências provaram ser muito sérias.
Freud fez uma distinção entre hipnose e psicologia de grupo,
definindo a primeira como algo que tem lugar entre apenas duas
pessoas. A apropriação da psicologia de massa por seus
líderes, a formatação de sua técnica, permitiu-lhes
coletivizar o feitiço hipnótico. "Acorda Alemanha", o
grito de guerra nazista, esconde o seu oposto. Em
compensação, porém, a coletivização e institucionalização
do feitiço foram tornando a transferência cada vez mais
indireta e precária, a ponto de atualmente o caráter de
performance, de "fingimento" da identificação
entusiástica [com os chefes] e de toda a dinâmica
tradicional da psicologia ter aumentado enormemente. Esse
aumento pode bem terminar na súbita percepção da inverdade
desse feitiço, senão no seu colapso. A hipnose socializada
fomenta as forças com que se vai liquidar o fantasma da
regressão por controle remoto e, por fim, despertar aqueles que
conservam seus olhos fechados embora não mais estejam dormindo.
Notas
(1) Nova
(2) A afirmação requer alguma qualificação.
Existe uma certa diferença entre aqueles que, especulando certo
ou errado com antecedentes econômicos de grande escala, tentam
manter um ar de respeitabilidade e negam que são anti-semitas,
até descerem ao negócio com a figura do judeu-engodo; e os
nazistas abertos, que querem agir por si mesmos, ou pelo menos
fazem crer que agem, entregando-se à linguagem mais violenta e
obscena. Além disso, pode-se distinguir entre os agitadores que
fazem o papel de conservadores cristãos familiares e antiquados
e que podem ser facilmente reconhecidos pela sua hostilidade
contra a "esmola"; e esses que, encenando uma versão
elaborada de modo mais moderno, apelam sobretudo à juventude e,
às vezes, pretendem ser revolucionários. De qualquer jeito,
essas diferenças não devem ser superestimadas. A estrutura
básica de suas falas assim como seu suprimento de expedientes é
idêntico, a despeito das diferenças cuidadosamente alimentadas
nos acentos. Estamos diante de uma divisão do trabalho mais do
que de genuínas divergências. Pode ser notado que o Partido
Nacional Socialista astuciosamente mantinha diferenciações de
tipo similar, mas que elas jamais levaram a nada, nem a qualquer
choque de idéias políticas mais sério dentro do partido. A
crença de que as vítimas do 30 de junho de 1934 ["Noite
das facas longas"] eram revolucionários é mitológica. O
sangrento expurgo foi produto das rivalidades entre os vários
bandos de saqueadores, e não teve nenhum ponto de apoio nos
conflitos sociais.
(3) Massenpsychologie und Ichanalyse é o
título em alemão com o qual o livro foi publicado em 1921. O
tradutor da versão inglesa [na qual se baseia a tradução
brasileira], James Strachey, sublinha acertadamente que o termo
grupo significa aqui o mesmo que foule, para Le Bon, e o
termo alemão Masse. Pode-se acrescentar que, neste livro,
o termo ego não designa a agência psicológica específica que
se contrapõe ao id e ao super-ego, conforme descritos nos
últimos escritos de Freud. Significa simplesmente o indivíduo.
Uma das mais importantes implicações da Psicologia de massa, de
Freud, é o fato de que ele não reconhece uma mentalidade de
massa independente e hipostasiada mas, sim, reduz o fenômeno
observado e descrito por escritores como Le Bon e McDougall a
regressões que tem lugar em cada um dos indivíduos que formam a
multidão e caem em seu feitiço.
(4) Sigmund Freud, Psicologia de grupo e análise do ego. 2ª ed.: Rio de Janeiro, Imago, 1987, p. 82.
(5) Ibid., p. 95.
(6) O livro de Freud não chega até essa fase do
problema mas uma passagem no adendo indica que ele estava bem
ciente dela. “Da mesma maneira, o amor pelas mulheres rompe
os vínculos grupais de raça, divisões nacionais e sistemas de
classes sociais, produzindo importantes efeitos como fator de
civilização. Parece certo que o amor homossexual é muito mais
compatível com os laços grupais, mesmo quando toma o aspecto de
impulsos sexuais desinibidos, fato notável cuja explicação
poderia levar-nos longe” (p. 152) É certo que isso foi
posto para fora durante o fascismo alemão, quando a fronteira
entre a homossexualidade aberta e reprimida, assim como aquela
entre o sadismo aberto e reprimido, tornou-se muito mais fluente
do que na sociedade liberal de classe média.
(7) Idem, ibidem, p. 85.
(8) “... as relações amorosas ... constituem
também a essência da mente grupal. Recordemos que as
autoridades não fazem menção a nenhuma dessas relações”
(p. 102)
(9) Talvez uma das razões para esse surpreendente
fenômeno seja o fato de que as massas a quem o agitador
fascista, antes de tomar o poder, tem de fazer face não sejam as
massas organizadas mas as multidões ocasionais da cidade grande.
O caráter frouxamente ligado dessas multidões variegadas exige
que a disciplina e coerência sejam sublinhadas, à expensa da
necessidade centrífuga e não-canalizada de amor. Parte da
tarefa do agitador consiste em fazer a multidão acreditar que é
organizada como o exército ou a Igreja. Daí a tendência à
superorganização. A organização como tal se torna fetiche,
vira um fim ao invés de um meio. É uma tendência que prevalece
em toda a fala dos agitadores.
(10) Ibid., p. 137-138. Casualmente, a principal
afirmação da teoria freudiana da psicologia de grupo dá conta
de uma das mais decisivas observações sobre a personalidade
fascista: o extermínio do super-ego. Freud usou no início
o termo ego ideal, mais tarde trocado pelo que chamou de
super-ego. O que ocorre nas personalidades fascistas é sua
substituição pelo ego grupal. Elas não conseguem desenvolver
uma consciência independente autônoma e por isso a substituem
pela identificação com a autoridade coletiva, que, como
descrita por Freud, é irracional, heterônoma, opressiva e
facilmente intercambiável, à despeito de sua rigidez
estrutural. O fenômeno é expresso adequadamente na fórmula
nazista segundo a qual é bom o que serve o povo alemão. O
padrão reaparece nas falas dos demagogos fascistas americanos,
que jamais apelam à própria consciência do seus potenciais
seguidores mas, ao invés, invocam sem parar valores externos,
convencionais e estereotipados, aceitos como dados e autorizados,
sem submetê-los a nenhum processo de experiência ou exame
discursivo. Como apontado em detalhe no livro A Personalidade
Autoritária, de Theodor Adorno, Else Frankel-Brunswik,
Daniel Levinson e Robert Nevitt Sanford (Nova York, Harper
Brothers, 1950), as pessoas preconceituosas geralmente exibem uma
crença nos valores convencionais, ao invés de tomarem decisões
morais próprias, e vêem como certo "o que está sendo
feito". Através da identificação, eles também tendem a
se submeter ao ego do grupo, à expensa de seu próprio ego
ideal, que virtualmente se funde com os valores externos.
(11) O fato de que o masoquismo das massas fascista
seja inevitavelmente acompanhado de impulsos sádicos está em
harmonia com a teoria geral da ambivalência, que Freud
desenvolveu originalmente em conexão com o complexo de Édipo.
Como o processo de integração do indivíduo às massas,
promovido pelo fascismo, o satisfaz de maneira meramente
vicária, subsiste no indivíduo um ressentimento contra as
frustrações da civilização, que tem de ser canalizado de modo
a se tornar compatível com os objetivos da liderança. Em
síntese, ocorre que ele é psicologicamente fundido à
subserviência autoritária. Embora Freud não coloque o problema
do que mais tarde foi chamado de sado-masoquismo, ele estava bem
ciente do mesmo, como evidencia sua aceitação da idéia de Le
Bon segundo a qual "desde que não se acha haja em dúvida
quanto ao que constitui verdade ou erro e, além disso, tem
consciência de sua própria grande força, um grupo é tão
intolerante quanto obediente à autoridade. Respeita a força e
só ligeiramente pode ser influenciado pela bondade, que encara
simplesmente como uma forma de fraqueza. O que exige de seu seus
heróis, é força ou mesmo violência" (p. 89).
(12) Ibid., a partir da p. 114.
(13) Ibid., p. 115
(14) Ibid., p. 115.
(15) Confira Max Horkheimer, "Authoritarianism
and the Family Today", in R. N. Anshen (ed.) The Family:
Its Function and Destiny, Nova
(16) Freud (1922) p. 122.
(17) A tradução [para o inglês] do livro de Freud
verte o termo "instantz" por
"faculdade", uma palavra que todavia não revela a
conotação hierárquica do termo original alemão.
"Agência" parece ser mais apropriado.
(18) Ibid., p 126.
(19) Talvez não seja supérfluo sublinhar que o
conceito nietzscheano de super-homem tem tão pouco a ver com
esse imaginário arcaico quanto o tem sua visão do futuro com o
fascismo. A alusão feita por Freud só vale para o super-homem
tal como ele foi popularizado em slogans baratos.
(20) Ibid., p. 134.
(21) Ibid., p. 139.
(22) Detalhes adicionais sobre a personalização
podem ser consultados na nota da p. 106-107, onde Freud discute a
relação entre as idéias e as personalidades do líder; e na
página 53, onde ele define como "líderes
secundários" essas idéias essencialmente irracionais que
mantêm os grupos unidos. Na civilização tecnológica, não é
possível nenhuma transferência imediata ao líder, dado
que ele realmente está à distância e é desconhecido. O
que ocorre é antes a repersonalização regressiva dos poderes
sociais autônomos e impessoais. Essa possibilidade foi
claramente vislumbrada por Freud: “tendência comum, um
desejo, em que certo número de pessoas tenha uma parte, não
poderá, de mesma maneira, servir de sucedâneo. Essa
abstração, ainda, poderá achar-se mais ou menos completamente
corporificada na figura do que poderíamos chamar de líder
secundário” (p. 111).
(23) Ibid., p. 145.
(24) O folclore alemão possui um símbolo forte
para esse traço. Ele fala em Radfahrernaturen,
personalidade de ciclistas: Quanto mais alto eles curvam, mais
eles batem no que está embaixo.
(25) Freud, ibid., p 89.
(26) Ibid, p. 110.
(27) Em relação ao papel da religião,
neutralizada e diluída, na construção da mentalidade fascista,
veja A Personalidade Autoritária. Importantes contribuições
psicanalíticas a todo esse campo de problemas encontram-se em
Der eigene und der fremde Gott, de Theodor Reik, e Die
vaterlose Gesellschaft, de Paul Federn.
(28) Vale notar que a ideologia racial de certa
forma reflete a idéia de ressurreição da irmandade primitiva
que, segundo Freud, ocorre através da regressão envolvida na
formação das massas. A noção de raça compartilha com a de
fraternidade duas propriedades: ela é supostamente
"natural, um vínculo de "sangue"; e é
dessexualizada. No fascismo essa similaridade se conserva
inconsciente, pois as menções à fraternidade são
relativamente raras e se aplicam apenas aos alemães vivendo fora
das fronteiras do Reich ("Nossos irmãos dos Sudetos").
Certamente isso se deve em parte às associações do termo
com um tabu nazista, o ideal de fraternité da Revolução
Francesa.
(29) Ibid., p. 111.
(30) Ibid., p. 113.
(31) Ibid., ibidem.
(32) Ibid., p. 130.
(33) Ibid., p. 147.
(34) Ibid., p. 130.
(35) Cf. Prophets of Deceit.
(36) Freud, ibid., p. 123
(37) Ibid., p. 138.