SÉRGIO CARRARA
Frente a pânicos morais todo
cuidado é pouco. Qualquer movimento para sair deles pode nos empurrar
mais ao fundo. Para escapar, é crucial agarrar-se aos fatos e à razão,
colocando questões diferentes das que são formuladas pelos interessados em
produzi-lo ou pelos que, nele, permanecem presos.
Frente ao pânico moral que cercou o KIT
ANTI-HOMOFOBIA do Ministério da Educação, a ação do governo foi
errática e confusa. Intempestivamente, Dilma mandou "suspendê-lo", em
vez de dizer simplesmente que confiava no discernimento da equipe do ministério
quanto ao seu teor e à sua utilização. Baseada no que viu na tevê, afirmou que
o material "fazia propaganda de opções sexuais" e que isso seria
inaceitável. Parece que se referia a uma frase em que um adolescente chegava à
conclusão de que teria maiores chances de envolver-se com alguém, pois se
sentia atraído igualmente por rapazes e moças. Colocando bissexuais em posição
privilegiada em relação a homossexuais e a heterossexuais, mais limitados em
suas "opções" (para usar a expressão da presidente), a ideia pode até ser considerada infeliz. Mas o que haveria
de tão escandaloso nessa quase risível fabulação de um adolescente?
Se "ou o sal não salga ou a terra não se deixa
salgar...", podemos dizer que ou todo esse imbróglio esconde
"tenebrosas transações" (como muitos acreditam), ou revela certa
concepção sobre os considerados sexualmente diferentes que urge submeter à
crítica. O kit que o ministério desenvolveu aborda a homofobia sem vitimizar pessoas LGBT, apresentando sua
diferença como algo positivo. Quando afirma que o governo "combate a
homofobia, mas não propagandeia opções sexuais", a presidente parece dizer
que, ao não tratar a homossexualidade como um "problema", o material
a incentiva. Não estaríamos frente à tradução laica do mantra esquizofrenizante repetido ad nauseam
por pastores e padres, segundo o qual se deve "amar o pecador, mas não o
pecado"? Ou "acolher homossexuais, mas não a homossexualidade"?
Caso não seja isso, seria aconselhável Dilma vir a
público dizer que os que afirmam ser a homossexualidade pecado e negam os
direitos de cidadania a homens e mulheres homossexuais estão
"propagandeando" a heterossexualidade e que isso é também
inaceitável. Deve esclarecer que seu governo não combate apenas a barbárie
homofóbica, mas defende a completa igualdade de direitos, fazendo suas as
palavras dos juízes do STF sobre o estatuto das uniões homoafetivas. Sob pena
de se misturar aos que consideram a homossexualidade inferior e deram início a
toda essa confusão, deve deixar claro que os motivos que a fazem condenar o
material produzido pelo ministério não são iguais aos de bolsonaros
e garotinhos.
SÉRGIO CARRARA é antropólogo.