Em meio à celebração, havia o ódio.
Desafios à cidadania de lésbicas e gays no Brasil.
Luiz Mello[1]
Neste Dia Mundial de Combate à
Homofobia, 17 de maio, as manifestações que ocorrem em diferentes partes do
Brasil têm algo muito significativo a celebrar, depois de mais de 30 anos de
luta do movimento LGBT: a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece
os casais homossexuais como entidades familiares. Mas esta comemoração não se
dará de maneira integral, já que a mais recente tentativa de aprovar o Projeto
de Lei nº 122, que prevê a punição da homofobia e tramita no Congresso Nacional
há mais de dez anos, foi inviabilizada pela atuação de parlamentares que
entendem ser este projeto uma ameaça ao direito de se condenar a
homossexualidade a partir de argumentos bíblicos. E isso ocorre num contexto em
que a relatora do Projeto, Senadora Marta Suplicy, já havia anunciado
publicamente que acrescentaria uma emenda ao texto em discussão, de forma a
garantir o direito dos religiosos de condenarem a homossexualidade, sem serem
punidos pela lei. Claro que a tentativa de chegar a um acordo que viabilize a aprovação
do projeto por esse caminho é um absurdo total, já que descaracteriza por
completo o alcance da lei (basta imaginar uma lei de combate ao racismo e ao
machismo que assegure o direito de se condenar negros, judeus e mulheres a
partir de argumentos religiosos). Mas nem isso foi o bastante para estancar a
ira santa dos defensores de uma sociedade que nega o direito de existência a
pessoas não heterossexuais. Que estes embates, pelo menos, sirvam de lição:
contra a homofobia radical não há diálogo possível.
Neste contexto, as perguntas sem
respostas são muitas: por que tanto ódio em relação a homossexuais, travestis e
transexuais? Qual o crime cometido por essas pessoas ao se relacionarem afetiva
e sexualmente com outras de seu próprio sexo e/ou cruzarem as fronteiras de
gênero? Qual a ameaça que representam para a ordem social vigente? Como ainda é
possível existir respaldo social para o fato de pessoas LGBT serem
sistematicamente humilhadas em público, cerceadas em seu direito de ir e vir,
impedidas de demonstrar seus afetos publicamente e tratadas como párias e
alienígenas em suas próprias sociedades? É para superar essas situações de
grave violação de direitos humanos que se definiu o dia 17 de maio como um
marco no combate à homofobia. Não nos esqueçamos de que mais de 80 países ainda
punem práticas homossexuais com penas que variam de multa à prisão perpétua e
morte, e de que no Brasil dezenas de travestis e homossexuais são assassinados
cotidianamente com requintes de crueldade.
Apesar de tudo, comemoremos: pela primeira vez no Brasil pessoas homossexuais denunciam situações de
preconceito, violência e discriminação ao mesmo tempo em que seus direitos
conjugais são reconhecidos pelo Estado de maneira irrevogável. Agora, mais que nunca, lésbicas e gays poderão sair do armário e
viver suas vidas à luz do dia, sem vergonha e medo de amar pessoas do mesmo
sexo. Infelizmente, ainda devem se proteger do potencial recrudescimento de
práticas homofóbicas no futuro imediato, dada a intolerância dos que não se conformam
com o fim dos privilégios dos heterossexuais, já que daqui para frente os
direitos relativos à conjugalidade - e também os
deveres, diga-se de passagem - são de todos. Por incrível que possa parecer
para algumas pessoas, desde o dia da decisão do STF, o mundo segue em sua mesma
rotina ancestral: o sol nasce e se põe como de costume, o dia continua a ter 24 horas, as plantas crescem e as aves cantam. Mas,
seguramente, em nossa sociedade houve uma mudança profunda: somos mais livres
para viver o desejo e o amor entre adultos, de quaisquer sexos, sabendo que
nossos vínculos conjugais serão cada vez mais respeitados.
[1] Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Pesquisador do
Ser-Tão, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade, da Universidade
Federal de Goiás.